Pular para o conteúdo principal

8. Se você me ama, não vai me deixar saber?

“Sobre nós dois:
Ninguém nunca vai saber de tudo”
(Autor Desconhecido)

Briana Brigantia deu mais uma volta na frente do espelho da loja.
O vestido rosa havia lhe caído muito bem, e ela sabia disso.
- Você parece uma Barbie – comenta Edna, uma colega de classe que era a pessoa que mais idolatrava Briana no mundo. – Sério. Você tá tão perfeita que me dá vontade de chorar.
Briana sorri, ainda se admirando no espelho.
- Ah, Edna... Obrigada. Eu não me importo se você chorar. Eu entendo, de verdade.
- Nossa, eu tenho tanta sorte por ser a sua amiga – funga Edna.
Briana concorda com a cabeça.
- Sabe, Edna, eu me inspiro na Barbie porque ela é perfeita e consegue tudo o que quer. E nesse momento o que eu mais quero no mundo é que o Fernando me veja assim e também chore.
Edna seca a beirada dos olhos com os dedos, mesmo não havendo nenhuma lágrima ali.
- Jura, amiga? Você gosta mesmo dele?
- Eu gosto – concorda Briana, dando voltas pelo corredor dos provadores. – Ele é tão lindo. Eu realmente acho que nós faríamos um casal perfeito.
- Muito perfeitos – concorda Edna. – Barbie e Ken, de verdade.
- Hoje a banda dele vai tocar na saída do colégio. E eu quero estar linda. Vou até lá só para vê-lo. E vou chamá-lo pra almoçar comigo. Quero que a gente tenha uma chance de ficar a sós, pra ver se as coisas finalmente rolam entre a gente.
- Ele vai morrer quando te ver assim – garante Edna.
- Eu preciso conquistá-lo. – Briana morde o lábio inferior. – Mas ele é tão tímido...
Edna se aproxima, segurando as mãos dela.
- Amiga, ele já é seu. Como ele poderia resistir?
Briana sorri, voltando a entrar no provador e dando uma última rodopiada em frente ao espelho antes de abrir o zíper do vestido.
- Você tem razão, Edna. Nada pode dar errado.
Briana tirou o vestido e ficou apenas com o conjunto da Victoria’s Secrets, comprado na última viagem de férias em Nova York.
Ela sempre tinha tudo o que queria.
Não havia motivos para que daquela vez fosse diferente.

***

Lucas estava deitado de mal jeito no chão do minúsculo banheiro anexado ao quarto.
Já era segunda-feira?
Foda-se.
Havia vomitado litros.
Era o monstro que fazia isso com ele.
O monstro não gostava de ficar acorrentado como nas últimas duas noites.
Então, além dos arranhões e hematomas pelo próprio corpo, tudo o que ele comia ao acordar fraco e faminto voltava mais tarde, porque não era o que o monstro queria.
Nem os bifes sangrentos bastavam.
O maior desejo do monstro era carne fresca. Carne e sangue. Carne e sangue. Carne e sangue...
Lucas se encolheu mais ainda, em posição fetal.
Depois se ergueu, afastando a franja da testa suada.
Chega disso, pensou, alcançado a gilete que estava em cima da pia.
Olhou para os próprios pulsos, marcados por correntes e muitos arranhões. Não seria tão difícil.
Os arranhões eram como mapas, indicando as veias saltadas. Apenas um corte fino e fundo em cada pulso seria o suficiente.
Lucas lançou um último olhar amargo ao seu redor.
Adeus, mundo cruel.

***

Lena, Jaime e Violeta se encontraram no pátio na hora da saída.
- Eu odeio segundas-feiras. – Cospe Lena.
- Hoje é dia de lua. De purificação e intuição. – Observa Violeta.
Lena franze o cenho.
- Foda-se. Eu detesto as segundas.
Jaime balança a cabeça, erguendo o celular.
- Posso provocar vocês um pouco?
- Não. – Respondem as duas garotas ao mesmo tempo.
- Tarde demais. Olhem quem estava no shopping fazendo compras enquanto estávamos presos nesse pequeno inferno...
Lena pega o celular dele e ela e Violeta grudam as cabeças para olhar.
- E porque diabos você tem a Briana Brigantia no Facebook? – Indaga Lena, franzindo o cenho.
- Todo mundo da escola tem! – Justifica Jaime.
- Todo mundo é babaca – resmunga Violeta. – Fernando deve estar com ela.
- Como você sabe? – Pergunta Lena.
- Ele não veio pro colégio hoje. E agora frequenta a rodinha de amigos da Briana. No mínimo devem estar juntos nesse momento, enfiando a língua na garganta um do outro.
- Vi, você está realmente parecendo uma pessoa de coração amargurado. – Observa Jaime, preocupado. – Eu achei que você não gostasse desse cara.
- Eu não gosto. – Diz Violeta. – Era ele quem ficava me perseguindo. Mas tanto faz. Não importa mais. Essa história já era.
Os três atravessaram a rua, onde ficava o ponto de ônibus e uma praça onde os estudantes que não trabalhavam ficavam de bobeira depois da aula.
Só que naquela tarde havia uma movimentação incomum. Uma rodinha de alunos. Equipamentos de som em uma lona. E música.
- Engula sua língua – sussurra Lena, quando eles se aproximaram. – Olha quem está bem ali, tocando guitarra...
O coração de Violeta deu um solavanco tão forte que quase a sufocou.

***

Fernando quase perdeu a noção de tempo e espaço quando viu Violeta.
Sentiu o rosto ficar vermelho e desviou o olhar para as cordas da guitarra, tentando se concentrar apenas na música.
O brilho do sol refletindo no cabelo dela parecia capaz de queimá-lo. Ele sentia em cada centímetro da própria pele o desafio da presença dela.
Era sufocante e eufórico.
Fernando decidiu encará-la. Iria provocá-la dessa vez. O que ela poderia fazer? Voltar a confrontá-lo por olhar pra ela? Fazê-lo se perder ainda mais?
Não, hoje não. Fernando a encarou com toda a intensidade que conseguiu reunir. Ele sabia que era por ela que ele estava ali. Ele queria impressioná-la.
A garota virou o rosto, perturbada.
- Ele tá olhando! – Cochicha Lena. – Olha pra ele de volta.
- Não quero olhar. – Diz Violeta, fingindo estar distraída com uma mecha de cabelo.
- O que aconteceu com a Violeta durona que eu conheço? – Provoca Jaime. – Vai mesmo abaixar a cabeça?
- Vai se ferrar – ri Violeta, cruzando os braços e encarando Fernando de volta. – Se ele quer me encarar, que seja. Eu só quero ver se ele vai negar que estava olhando pra mim quando eu enfrentá-lo.
- Te pago dez reais pra você ir até e ele e beijá-lo. Sem falar nada. – Sussurra Lena.
- Vinte. – Acrescenta Jaime. – E um mês grátis de academia.
Violeta revira os olhos.
- Vocês não deveriam ir trabalhar?
- Deveríamos. – Concorda Lena. – Você não?
- Eu entro mais tarde hoje. – Diz Violeta, presunçosa. – Vou esperar o ônibus aqui. Está sol demais para ir andando.
- Aham, sei. – Caçoa Lena. – Bom, nós já vamos. Até mais tarde.
Violeta se despede dos dois, e depois volta a olhar para Fernando.
Lena tem razão, pensa ela. Eu quero beijá-lo.

***

Briana mal podia acreditar.
Fernando estava mesmo olhando fixamente para Violeta?
Aquela invejosa dissimulada e esquisita... Só podia ser brincadeira!
Ela era tão... Simplesmente não podia ser.
Havia algum engano ali, com toda certeza.
Com toda a pompa, Briana se aproximou de Violeta.
- Oi, estranha.
Violeta revirou os olhos e desviou sua atenção de Fernando para Briana a muito contragosto.
- O que aconteceu com você, Briana? – Pergunta, franzindo o cenho. – Parece que o pônei da Barbie te vomitou.
Briana ri, dando uma volta graciosa para exibir o vestido.
- Moda de Paris, queridinha. Não é pra qualquer uma!
- Sei. – Diz Violeta.
- O Fernando está lindo hoje, não é? – Suspira Briana.
Violeta desvia o olhar rapidamente.
- Quem?
- Fernando Bragança, o guitarrista. Você não o conhece? Do terceiro ano. Ele é simplesmente o cara mais fofo do mundo.
- Ah...
Briana a olha.
- Eu acho que ele logo vai me pedir em namoro, sabia? Nós já estámos ficando faz um tempo. E nos damos tão bem...
Violeta reprimiu a vontade de sair correndo. Ela não merecia escutar aquele discurso, nem um pouco.
- Nós dois gostamos das mesmas coisas – continua Briana, com olhar sonhador. – E ele me dá presentes lindos e caros. Não que isso seja importante, mas demonstra que ele realmente se importa. Outro dia ele me levou pra jantar em um restaurante super sofisticado. E estamos planejando ir pra Orlando juntos nas férias.
Violeta não conseguiu se conter.
- Por que está me contando tudo isso? Acha que eu estou interessada?
Briana coloca a mãos sobre a boca, fingindo surpresa.
- Ah, eu me esqueci. Essas coisas não fazem parte do seu mundo, não é mesmo?
Violeta quis dar um soco em Briana.
Quis chutar a bunda dela muitas e muitas vezes.
Mas tudo o que ela conseguiu fazer foi dar às costas para Briana, Fernando e o resto do mundo.
Aquela garota irritantemente loira e inconveniente tinha razão: aquelas coisas são faziam parte do mundo dela. Viagens para Orlando? Restaurantes chiques? E, finalmente, Fernando.
A música acabou, e várias pessoas aplaudiram, mas as palmas mais animadas eram de Briana.
Antes que Violeta pudesse se recompor, Kenji, o animado baterista da Fallen Angels, chamou a atenção de todos.
- Bom, pessoal... Ensaiamos a música a seguir nos últimos tempos, mas nunca a apresentamos antes. Meu amigo Fernando irá cantá-la, o que é uma exclusividade também. Com vocês, Violet Hill, do Coldplay.
Não pode ser.
Violeta se virou, quase em choque.
Fernando a encarou, os olhos verdes fazendo alguma coisa realmente esquisita com a alma dela.
O olhar de Briana ficou mais sombrio do que nunca.

***

“So if you love me
Why'd you let me go?

I took my love down to violet hill
There we sat in snow
All that time she was silent still
Said if you love me won't you let me know?
If you love me won't you let me know?”

(Então, se você me ama 
Porque me deixa ir? 
Eu levei meu amor para a montanha violeta.
Lá nós nos sentamos na neve.
O tempo todo, ela permaneceu em silêncio.
Disse, se você me ama, não vai me deixar saber?
Se você me ama, não vai me deixar saber?)

Violeta engoliu em seco para não cair no choro.
Aquilo já era demais.
Que tipo de jogo era aquele? Por que Fernando Bragança fazia questão de brincar assim com ela? Era uma ideia de Briana, ou ele a odiava por algum motivo que ela não fazia ideia?
A voz dele era tão doce... Ainda mais acompanhada pelos acordes da guitarra.
Havia poucos estudantes por ali aquela altura, mas por um momento ela teve a impressão de que estava sozinha com Fernando no mundo.
Estou sendo uma grande idiota.
Fernando não sabia como havia conseguido tocar sem errar nenhuma nota, muito menos como sua voz havia saído. Não com Violeta parada bem a sua frente, olhando-o.
Ela se virou, quase triste, indo para o ponto de ônibus.
- Cara! – Sussurrou Kenji, aproveitando a pausa para ir até o amigo. – O que você está esperando? Vai lá falar com ela!
- Como? – Fernando o olhou, confuso.
- A garota que você estava olhando como se nunca tivesse visto uma menina na vida.
Fernando sentiu o rosto esquentar.
- Deu pra perceber...? Que eu estava olhando pra ela?
- Meus parentes no Japão perceberam, cara. – Diz Kenji, com falso pesar. – Mas a notícia boa é que ela estava olhando também.
Fernando engoliu em seco, olhando para a silhueta da garota no ponto de ônibus.
- Acha que eu devo mesmo ir?
- Está moscando!
- O que eu falo? – Fernando estava quase entrando em pânico.
Violeta havia percebido aquela movimentação.
Notou Fernando e o baterista olhando para ela e conversando. Notou a inquietação dele.
Era demais.
Pegou a bolsa e começou a descer a rua, desistindo de esperar pelo ônibus.
Não dava para ficar ali.
Seu coração não aguentaria mais nem um minuto.
Fernando a viu indo embora e se sentiu o maior dos idiotas. Um maldito.
Mas o que ele realmente poderia fazer?
A resposta foi uma voz maliciosa em sua cabeça:
Tê-la para você, nos seus braços, até ver o sol morrendo castanho no olhar dela...
Fernando Bragança decidiu que tinha que parar com isso. Mesmo que, no fundo, ele soubesse que já estava tudo perdido.

CONTINUA

Comentários

  1. O.O para com isso, não quero ficar confusa entre o Fernado e Lucas, como fiquei na outra vez. Não gosto do Fernando. Gosto do Lucas *-----*
    Giovanna, você está mudando bastante coisa ne?! Porque eu não me lembro muito bem da história na primeira vez que você postou, mas parete que está TÃÃÃÃO diferente, hahaha, muito melhor.
    Se já era incrível antes, imagina agora *-----*

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não quero começar a gostar do Fernando! Para de escrever ele todo fofo, perfeitinho e beijável!
      Não sei porque, mas algo me diz que o Fernando é um traidor, que ele vai trair a Violeta, entregando-a por ser bruxa para aquela igreja que ele frequenta com o pai. Já o Lucas... Não consigo ver obLuvas traindo a Violeta desse jeito.
      Giovanna não me ache maluca, mas eu vejo traição em quase tudo hahahahhaha.

      Excluir
    2. Eu morro com seus comentários, Carla XD
      Sim, eu mudei bastante coisa na história, e espero mesmo melhorá-la cada vez mais.
      Obrigada pelo carinho <3

      E pare de ver traição em tudo, ou seu coração vai acabar ficando amargurado, o que seria muito triste.
      Mantenha-o em segurança, mas nunca trancado pro mundo.
      :*

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

11. Ela não é uma Dama

“Finalmente caiu em si. E foi em queda livre.” (Clarice Freire) Na manhã seguinte, Violeta e Lena saíram juntas para ir ao colégio, como sempre. Mas, como nunca, havia dois garotos parados em frente ao portão. O coração de Violeta ficou alerta ao ver Lucas: o uniforme do Colégio, que sempre lhe parecera tão formal e sério, nele tinha um aspecto descolado e moderno. Talvez fosse a forma como ele estava amarrotado. Ele e Jaime haviam trocado comprimentos, um pouco constrangidos, e esperavam em silêncio pelas meninas. - Seu amor está esperando por você. – Provoca Lena. - Ao menos o “meu amor” não parece um cachorrinho, como o seu Jaime. – Devolve Violeta. - Não. – Concorda Lena, cheia de malícia. - O seu é mais como um lobo selvagem. Lena deu o braço para Jaime e apressou o passo, caminhando na frente para que Violeta e Lucas pudessem conversar com mais privacidade. Lucas a beijou no rosto e pegou a mão dela. - Vamos? - Vamos. Os dois começaram a d

17. Amor Amarrado

“Venha a mim, e fique preso Pelos poderes da Rainha das Encruzilhadas” (Simpatia para amarração de amor) A chuva estava muito forte lá fora, e os sons da tormenta chegavam até o porão. Ana Rosa desceu as escadas, levando apenas uma vela roxa no castiçal. Ela vestia sua capa ritualística preta e estava apreensiva. Poucas coisas eram capazes de assustar Ana Rosa Arabella, mas ela nunca havia tentado aquele ritual sozinha. Se concentrou ao traçar o círculo, cantando rezas quase tão antigas quanto a humanidade. Se sentou fora dele, derramando vinho e tabaco em seu interior. A velha bruxa iria apreciar a oferenda. Não demorou muito e a vela foi apagada por um sopro de vento anormal. Ana Rosa sentiu os pelinhos da nuca se eriçarem quando a visão luminosa da bruxa idosa apareceu, sentada em uma cadeira de balanço e costurando. - Meus velhos ossos doem nessas noites de tempestade. – Gemeu o espírito da bruxa. - Eu lhe trouxe vinho e tabaco, vovó. – Disse Ana Rosa, a

14. Sozinha

“Solidão. Após a queima de fogos, Uma estrela cadente.” (Shiki) O silêncio foi absoluto por alguns segundos. Lena deu uma leve tossida. - Vou ao banheiro. – Murmurou, se afastando. Violeta olhou para as próprias mãos, escondendo as unhas com esmalte descascando com as mangas da jaqueta. Por dentro, Fernando estava trêmulo, mas decidiu continuar firme por fora. - É mesmo verdade? – Insistiu ele. – Você também pensa em mim? – Ela continuou em silêncio. - Não vai me responder? – Perguntou, sentindo o rosto quente. Violeta hesitou, mas por fim o encarou, com os olhos enormes. - O que quer que eu diga? Eu só sei que você fica me encarando com muita insistência desde o ano passado... Se eu não estiver enganada. - Não está enganada. Silêncio novamente. Violeta perdeu a paciência. - Então por que mentiu? – Perguntou, abraçando os próprios braços. – Por que fica me encarando? Fernando demorou um pouco para responder, engolindo em seco. - É complicado... V