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14. Sozinha


“Solidão.
Após a queima de fogos,
Uma estrela cadente.”
(Shiki)

O silêncio foi absoluto por alguns segundos.
Lena deu uma leve tossida.
- Vou ao banheiro. – Murmurou, se afastando.
Violeta olhou para as próprias mãos, escondendo as unhas com esmalte descascando com as mangas da jaqueta.
Por dentro, Fernando estava trêmulo, mas decidiu continuar firme por fora.
- É mesmo verdade? – Insistiu ele. – Você também pensa em mim? – Ela continuou em silêncio. - Não vai me responder? – Perguntou, sentindo o rosto quente.
Violeta hesitou, mas por fim o encarou, com os olhos enormes.
- O que quer que eu diga? Eu só sei que você fica me encarando com muita insistência desde o ano passado... Se eu não estiver enganada.
- Não está enganada.
Silêncio novamente.
Violeta perdeu a paciência.
- Então por que mentiu? – Perguntou, abraçando os próprios braços. – Por que fica me encarando?
Fernando demorou um pouco para responder, engolindo em seco.
- É complicado... Você... Por que você e eu não saímos? Juntos. Depois da aula.
Ela arregalou os olhos.
Não era possível. Ela deveria estar sonhando ou coisa pior.
- Não. – Disse ela, antes que pudesse se conter. – Eu não quero.
Foi a vez dele se surpreender.
- Por que não? – Insistiu ele, com o orgulho mais do que ferido. – Eu só quero conversar.
- Você está namorando com a Briana. – Cuspiu ela, sem conseguir conter o rancor na voz. – Converse com ela!
- Não estamos namorando.
- Que seja. – Violeta estava começando a ficar irritada.
Era como se de repente todos os garotos interessantes do mundo achassem que poderiam brincar com ela.
Fernando abriu a boca para argumentar, mas foi interrompido.
- Vocês estão de aula vaga? – Era Dona Beth, inspetora linha-dura, fazendo sua ronda pelos corredores.
- Cheguei atrasada, o Prof. Gibão não vai me deixar entrar. – Justificou-se Violeta, apressadamente.
- Então espere no pátio o sinal da segunda aula, mocinha.
- Okay. – Violeta se virou e desceu as escadas sem olhar pra trás.
Fernando a acompanhou com o olhar até perdê-la de vista.
- E o senhor? – Apertou Dona Beth.
- Eu? – Fernando socou a palma da mão. – Eu sou um completo idiota.

***

Duas semanas se passaram, e Violeta estava sozinha como nunca havia estado antes. Havia decidido que um pouco de solidão faria bem.
Ela sentia falta de Lucas e sua cabeça às vezes girava em torno de Fernando. Mas não importava. Ela tinha muitos livros, e os lia sem parar. Lia para esquecer.
Mas durante a noite ela não podia controlar sua cabeça, e sonhava coisas das quais sentia raiva e mágoa de manhã. Ela desejava que o tempo passasse mais depressa, mas os dias eram lentos.
Parecia que fazia uma eternidade que ela e Lucas haviam terminado o que quer que fosse que eles tinham tido, e outra eternidade desde que Fernando batera de frente com ela.
E por algum motivo tudo aquilo a feria.
Eles não têm esse direito. Pensava ela, transtornada. Nenhum dos dois. Eles não me conhecem de verdade, nem eu os conheço. Eles não têm o direito de me fazer sentir nada, muito menos me sentir mal comigo mesma.
Lena tentava convencê-la a sair com ela e Jaime, mas Violeta não se animava. Não que ela não estivesse genuinamente feliz pelos seus amigos estarem juntos e apaixonados, mas ela evitava sair.
Já era difícil manter o rosto calmo e a cabeça erguida no colégio. Sair e encontrar pessoas era o que ela menos desejava.
Já bastava ter que ignorar Fernando e Lucas a encarando a distância, no pátio, enquanto ela tentava se concentrar em algum livro.
Com Lucas era ainda pior. Ela podia encontrá-lo na cozinha ou no quintal da própria casa se arriscasse sair.
Vez ou outra eles se esbarravam e se cumprimentavam casualmente. E Violeta no íntimo se chateava com o fato deles nem ao menos manterem alguma amizade.
Ele é bem imaturo, pensava Violeta, toda vez que o via caminhar sozinho da escola pra casa e se trancar no pequeno quarto nos fundos da mansão, se isolando cada vez mais.

***

- Eu não entendo. – Suspirou Fernando. – O que você quer que eu faça?
Briana mordeu o lábio.
- Eu quero que você pare de olhar pra ela.
- Mas eu...
- Não negue. – Pede ela, piscando os olhos azuis. - Você a olha de um jeito... Que me aborrece. Eu não gosto daquela garota, ela é uma invejosa implicante que sempre me tratou mal. E você a persegue com os olhos como se ela fosse uma estrela de cinema.
Fernando ergueu as mãos da mesa do Point Coffee.
- Tudo bem. Eu olho pra ela. Eu confesso.
Briana estreita os olhos.
- Você tem que parar com isso, Fernando. Você está ficando comigo. Pega super mal olhar pra outras meninas daquele jeito. - Ela faz uma pausa. – Parece até que eu não sou o suficiente pra você.
Fernando cutuca a mão dela.
- Hey. Não fale assim. Você é linda, Briana. E chama a atenção de vários garotos, sério.
Ela funga.
- Eu sei! Mas parece que você não percebe isso. Quando você vai parar de se interessar pela Violeta? Quando vai me pedir em namoro e viajar comigo?
Fernando franziu o cenho.
- Me desculpe, Briana. Mas acho que não vai dar certo. Nós dois.
Ela o encarou, boquiaberta.
- Fernando Bragança, o que você quer dizer? Depois de todo esse tempo não quer namorar comigo?
- Não fique chateada. Eu gosto de você. Mas não acho que um namoro entre a gente dê certo. Somos muito diferentes.
Briana arfou.
- Eu não acredito. Não acredito. Só pode ser uma piada... – Ela engoliu em seco. – Está me dando um fora?
- Eu só quero acabar isso de uma forma amigável.
- Você está mesmo me dispensando. Nenhum cara nunca me deu um fora antes. – O rosto dela começou a ficar vermelho. – Eu nunca fui tão humilhada...
- Pode falar pra todo mundo que foi o contrário. – Diz Fernando, começando a ficar impaciente. - Não vou desmentir.
- E tudo por causa da Violeta, a pessoa que mais me odeia no mundo. – Sussurra Briana, transtornada.
- Briana, seja razoável... Violeta não tem nada haver com isso.
- Vocês já ficaram? Você me traiu com ela?
- Claro que não! – Fernando revira os olhos.
- Eu não consigo acreditar em você.
- Viu só? Sem confiança, não existe relacionamento. – Diz ele.
Briana desvia o olhar, tomando um gole de refrigerante diet. Lentamente, ela colocou os óculos de sol e se levantou.
- Você está cometendo um grande erro. Um grande erro. E ainda vai se arrepender por isso e implorar pelo meu perdão.
A voz dela estava um pouco embargada. Fernando se perguntou se Briana estava chorando por trás dos óculos escuros enquanto saia do Point Coffee.
Mas ele não conseguiu se importar de verdade.

***

Lucas suspirou, lavando o rosto em uma das pias do banheiro. O Colégio o estava sufocando. O único motivo de ele estar ali era poder ver Violeta, mesmo que de longe.
Ele se arrependia de ter se afastado dela.
Deveria ter contado a verdade de uma vez.
Agora se sentia fraco demais para continuar. Se sentia sozinho. E ela parecia sozinha também, isolada em livros que ele nunca leu.
Talvez, pensou ele, encarando o próprio reflexo. Seja hora de começar a me reaproximar... Mesmo que seja devagar. Aos poucos. Isso pode manter nós dois ocupados, e ela fora de perigo.

***

Lena e Violeta estavam chupando balas de framboesa quando Jaime apareceu com um sorriso e uma lata de refrigerante.
- Eu tenho uma fofoca para vocês.
- Oh, não, Lena – diz Violeta. – Ele vai atacar de novo.
- Como você consegue ser tão mexeriqueiro? – Pergunta Lena, incrédula, aceitando um gole de refrigerante.
- Eu não tenho culpa se as garotas da minha sala conversam alto.
- Sei. – Diz Lena. – Qual é, Jaime! Você tira os fones de ouvido para escutar quando a fofoca começa.
Jaime dá de ombros.
- É verdade. Mas o que eu ouvi vai interessar vocês, principalmente a Violeta.
Violeta fechou o livro que estava lendo, marcando a página.
- Manda.
- Fernando terminou com Briana.
Violeta desviou o olhar, fazendo pouco caso.
- E daí?
- E daí que parece que foi por sua culpa.
Violeta o encara, incrédula, enquanto Lena ri.
- Como assim?
- Uma das meninas disse que estava no Point Coffee ontem e ouviu tudo. Briana reclamou porque ele olhava muito pra você e ele simplesmente preferiu terminar com ela do que parar de te encarar. Parabéns, Vi, o cara é todo seu.
- Ele não é nada meu! – Funga Violeta.
 Lena a cutuca.
- Você o rejeitou porque ele estava com a Briana, agora não está mais. Ele admitiu que te olha e que está interessado em você. O que mais você está esperando? O que pensa em fazer a respeito?
Violeta suspirou, olhando para a capa do livro que segurava.
- Eu não faço ideia.

***

Assim que saiu da escola, Lucas andou apressadamente até a Pensão Arabella, para garantir que chegaria antes de Violeta.
Cumprimentou Ana Rosa, que trabalhava no jardim, e disse que iria deixar a mochila no quarto e depois a ajudaria.
No caminho, colheu uma viçosa rosa vermelha.
Mas depois de tirar o uniforme e deixar a mochila no quarto, ele entrou na cozinha. A casa estava silenciosa. Lucas deu alguns passos hesitantes e encontrou a sala.
Com cuidado para não acordar o velho que cochilava no sofá, ele subiu para o segundo andar e começou a abrir as portas.
Havia muitos quartos, mas todos desocupados, sem lençóis nas camas.
Estava prestes a desistir quando notou, no final do corredor, outra escada.
Subindo por ela e abrindo uma porta, saiu no sótão.
Havia uma prateleira com alguns livros acima de uma escrivaninha com um computador, um guarda-roupa grande e uma penteadeira cheia de frascos de perfume e maquiagem.
E, nos lados opostos do quarto, duas camas.
A primeira, com lençóis verdes, tinha um mural com fotos de Lena e Jaime acima da cabeceira.
A segunda, perto da janela, coberta por um edredom lilás, também tinha um mural, mas só haviam fotos de bandas de rock recortadas de revistas.
Lucas se aproximou.
Timidamente, passou a mão pelo edredom, aspirando o perfume misterioso que ele já conhecia. Era ali que Violeta dormia.
O monstro se agitou dentro dele.
Mas uma fome maior o guiava.
Uma espécie de saudade desesperadora.
Suspirando, colocou a rosa sobre o travesseiro, e se virou para descer.
Mas era tarde demais.
Passos e vozes estavam se aproximando.

***

- Violeta, hoje a noite vamos na igreja do Fernando, o veremos se apresentar com a banda dele e depois vocês vão conversar. – Sentenciou Lena, quando as duas entraram no quarto.
Violeta se sentou na cama, angustiada.
- Eu não tenho nada para dizer.
- Você vai pensar em alguma coisa. – Diz Lena, com um meio sorriso. – E eu nunca assisti uma missa antes. Será que vão queimar alguém em uma fogueira?
- Espero que não seja a gente. – Diz Violeta, descalçando as botas.
- Por que está tão desanimada?
- Garotos me desanimam.
- É por causa do Lucas? – Pergunta Lena, deixando a mochila no chão.
- Não. – Diz Violeta, de má vontade. – Na verdade, não sei... Olha o Lucas. Eu gostava dele. Mas, assim do nada, ele fodeu com tudo e me deixou confusa. Se o Fernando fizer a mesma coisa, o meu orgulho não vai suportar.
- Você vai ter que correr o risco. – Diz Lena, erguendo uma sobrancelha. – Ou vai passar o resto da vida se perguntando se teria sido diferente com ele.
- Talvez. – Admite Violeta, mordendo o lábio enquanto tirava a camiseta.
- Tem uma rosa vermelha na sua cama.
Violeta segura a flor, aspirando o perfume.
- Rosas vermelhas são símbolos de amor verdadeiro. – Cutuca Lena. – Então está decidido. Você vai falar com o Fernando hoje a noite.
Violeta dá um meio sorriso.
- O que eu devo vestir?
- Alguma coisa bonita, mas discreta. Nós vamos a uma igreja.
- Ah, que pena. – Zomba Violeta, indo até a penteadeira. – Estava pensando em um vestido preto com bastante decote e um quimono de renda para acompanhar.
- Ótimo. Assim você sem dúvida vai para a fogueira. – Brinca Lena, descendo para almoçar.
Violeta examinou o próprio rosto no espelho.
Passou desodorante e vestiu uma camiseta surrada antes de descer também.
Alguns segundos depois, Lucas saiu debaixo da cama dela, cauteloso.
Estava dividido entre a excitante visão do sutiã preto de Violeta e a revolta por já a estar perdendo para outro cara.

CONTINUA

Comentários

  1. Estou confusa. Não sou mais do Team Lucas, mas não quero gostar do Fernando. Giovanna, o que está acontecendo comigo?!

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