(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...”
(Lua Adversa, Cecília Meirelles)
Lucas foi interrompido por batidas
na porta do banheiro.
- Guri! Você está bem? – Tudo em Ana
Rosa exigia uma resposta.
Como se despertasse de um transe
agoniante, Lucas soltou a gilete na pia e abriu a porta.
Ana Rosa o olhou, preocupada.
- Cruzes... Você está mais magro do
que nunca. Está se alimentando direito, Lucas Matarazzo?
- Tudo o que eu como acaba voltando.
– Diz ele, amargo. - Acho que o monstro está com raiva...
- Seja forte. – Diz Ana Rosa. – Você
está aguentando bem. Só mais duas noites e então só terá que enfrenta-lo de
novo no próximo mês. E até lá poderá se preparar, se fortalecer.
- Ainda tem mais seis meses. -
Acrescenta Lucas, sem conseguir esconder o desânimo.
Ele se perguntou se realmente
aguentaria. Se perguntou se não enlouqueceria e rasgaria os próprios pulsos
para sangrar até morrer naquele banheirinho com manchas de bolor nas paredes...
- Não comece com besteiras ou te
chuto daqui! – Ralha Ana Rosa, mais ou menos adivinhando os pensamentos dele. –
Seu avô aguentou isso por anos antes
que eu descobrisse um jeito de ajudá-lo.
Lucas assentiu, humilde, e um pouco
distraído.
Maus pensamentos não iriam ajudar em
nada...
Mas o que se faz quando todos os
pensamentos são maus?
O que se faz quando o seu pior
inimigo está dentro da sua cabeça?
Violeta achava que estava
enlouquecendo aos poucos.
As palavras de Briana rodavam na
cabeça dela.
Lena tinha certeza de que era
mentira, e de que ela e Fernando não tinha absolutamente nada.
- Você acha mesmo – indagou Lena –
que se os dois estivessem juntos não teria um milhão de fotos dos dois no
Facebook da Briana? Ela tira foto até do que ela come, e eu estou falando de
coisas do tipo cupcake de shopping.
Violeta não sabia, mas preferia se
dar ao luxo da dúvida.
Na manhã seguinte, quando chegaram
ao colégio, Fernando estava sozinho no pátio.
A poucos metros dela, como se
adivinhasse sua chegada.
Apoiado na parede, girando um
caderno no dedo.
E, claro, com os olhos fixados nela.
Violeta engoliu em seco e, sem dizer
nada para Lena, foi até ele, decidida.
Fernando estava tão distraído
enquanto a olhava, que tomou um verdadeiro susto quando percebeu que ela o
encarava de volta e ia na direção dele.
Seu coração parou.
O caderno caiu no chão.
O que ela ia fazer? Bater nele,
talvez? Perguntar se ele iria continuar negando que a olhava tanto? Beijá-lo e
enfeitiça-lo para sempre?
- Oi – começou ela, tomando coragem
para olhá-lo nos olhos. – Parabéns pela apresentação de ontem. Foi realmente
muito boa. Você... Toca muito bem.
De algum modo, ele conseguiu sorrir.
- Valeu. – Respondeu, com uma
piscadela.
Violeta sorriu de volta e lhe deu as
costas antes que ele pensasse em mais alguma coisa para dizer.
O que ele diria? Talvez algum
atrevimento?
Violeta sentiu os batimentos
cardíacos voltando ao normal enquanto voltava para a companhia de Lena e Jaime.
Lena ria maldosamente.
- O menino deixou o caderno cair.
Perdeu totalmente o controle.
Violeta sorriu.
- Qual é o problema dele? Será que
eu o assusto tanto assim?
- Eu diria que você o deixa
completamente apavorado. – Diz Jaime.
Violeta balançou a cabeça, pensativa
dessa vez.
- Sabe, isso não é saudável! Tenho
que parar de ser tonta. Devo ignorá-lo enquanto não souber as intenções dele.
Me recuso a continuar tentando decifrá-lo. Não consigo imaginar o que ele quer de
mim.
- É uma pena. – Comenta Lena. –
Porque eu consigo.
***
Briana se encostou em Fernando na
primeira oportunidade.
- Você realmente tem talento – tagarelava ela, enquanto ele assentia,
distraído. – Alguém com bom nome deveria te escutar. Meu tio já trabalhou
em uma gravadora importante, ele tem
ótimos contatos.
Ela sorriu e Fernando sorriu também.
Briana não era desagradável, de
jeito nenhum. Ela sabia dizer o que as pessoas queriam ouvir, só que na maioria
das vezes estava ocupada demais falando de si mesma para se incomodar em usar
esse dom.
E ela era bonita, pensou Fernando.
Mas era tristemente óbvia. Dizia com muita franqueza e pose tudo o que pensava.
E dava para adivinhar de longe suas intenções por trás das palavras dóceis.
Nada misteriosa. Nada intrigante.
- Obrigado, Briana – disse ele,
enfim. – Mas a música é só um hobby. A Fallen Angels é mais um passa tempo. Estamos
felizes em ser apenas uma banda de igreja.
- Tudo bem! – Ela sorri e dá de
ombros, entrelaçando o braço ao dele enquanto andavam pelo pátio. - Então você
gosta de Coldplay, não é?
- Ah, é. Eu curto.
- Bonita a música de ontem. –
Continua Briana, com falsa inocência. – Como se chamava, mesmo?
Fernando desviou o olhar,
pressentindo o perigo naquela conversa.
- Violet Hill. – Respondeu, tentando não hesitar. – Mas a minha
favorita deles é The Scientist.
Nessa hora Briana sorriu, ainda
mantendo a máscara inocente.
- Sabe... Acho que tem uma garota na
escola que é a fim de você.
Fernando engoliu em seco, olhando-a
e tentando decifrar a mensagem. Violeta havia dito alguma coisa para Briana? Não. Impossível. Elas se
detestavam.
- É? Quem? – Pergunta ele, forçando
a curiosidade.
- O nome dela é Violeta. – Sussurra
Briana. – É do segundo ano. Uma que... Foi grosseira comigo aquela vez no Point Coffee. Eu achava que ela era
lésbica e tinha um caso com a menina que mora com ela, mas ontem, enquanto você
tocava, ela quase babou.
Fernando se retraiu, sem dizer nada.
Como se ele soubesse disfarçar quando olhava pra ela...
- Você percebeu? – Indaga Briana,
erguendo uma sobrancelha.
- Não. – Responde Fernando, branco
como papel. – Mal conheço essa garota.
Agora Briana sorria, triunfante.
- Eu sabia. – Ela para, ficando
frente a frente com Fernando, e erguendo os olhos azuis para ele. – Você sabe
que tem muitas admiradoras nesse Colégio, não é?
Fernando balança a cabeça, sem
graça.
- E eu sou uma delas. – Confessa
Briana. – Mas eu não aguentaria ser apenas mais uma. Eu não posso mais esperar.
Eu quero ficar com você, Fernando Bragança. Aqui e agora.
Briana sorriu para a expressão de
surpresa dele, antes de se inclinar e beijar Fernando como se fosse a coisa
mais natural do mundo.
Ele pensou em recuar, mas decidiu
que não. Estava apenas beijando uma menina
bonita. Não deveria haver problema nenhum
nisso.
Mas porque ele sentia como se
houvesse?
***
Violeta parou, cravando as unhas na
palma da mão.
Lena olhou para ela, preocupada.
Ela tentou ignorar a troca de saliva
entre Fernando e Briana, mas seus olhos estavam pregados neles, e, quando
conseguiu desviá-los, por algum motivo eles estavam cheios de lágrimas.
- Vamos sair daqui, Vi – sussurrou
Lena, puxando-a. – Agora.
***
- Eu não consigo acreditar. – Violeta desabou na poltrona assim que ela e Lena entraram no quarto. – Eu realmente não consigo. O que eu perdi? Um cara que me olhava o tempo todo. Mas por que parece que foi mais do que isso? Por que parece que isso está me machucando?
- Respire. – Diz Lena, séria. – E se
acalme. Vamos resolver isso.
Era a folga de Violeta na livraria,
e Lena havia combinado com Jaime que iria chegar um pouco mais tarde na
Academia, visto que Violeta poderia precisar dela.
- Não tem nada pra resolver, Lena. –
Violeta agarrou um almofada, e enterrou as unhas nela. – Eu estou tão irritada! Mas acho que não tenho o direito de ficar zangada com ele... É
comigo mesma que eu tenho que me zangar! O que eu estava pensando? Que ele gostava de mim? Justo ele, tão
arrogante, tão intocável, tão distante...
- Violeta, você não tem culpa. – Diz
Lena, se sentando na cama diante dela. – Você é só uma garota. Você tem o
direito de se iludir, de se enganar, como todo mundo.
Violeta balança a cabeça,
transtornada.
- Pelo menos agora eu sei. Agora eu
estou livre dessa palhaçada toda. Agora vou poder ignorar cada olhar que ele me
lançar, e ele nunca mais vai me fazer sentir um lixo como estou me sentindo
agora.
Lena aperta a mão dela.
- Eu vou te ajudar.
Violeta levanta a cabeça, os olhos
parecendo mais escuros do que o habitual. Ficou alguns segundos em silêncio, e então apertou a mão de Lena de volta.
- Então pegue o meu caldeirão, Lena.
***
- Você fodeu com tudo.
Violeta ergueu
os olhos castanhos para ele.
Fernando tentou
recuar, mas parecia colado no chão. Era impossível se afastar da raiva dela.
- Eu não sei
porque você fez isso. – Continuou ela. - Mas eu vou te assombrar pra sempre.
Você nunca mais vai conseguir se esquecer de mim. Você vai desejar olhar pra mim
mais do que tudo. Mas não vai me alcançar.
Fernando tentou
falar, mas sua voz estava presa na garganta. Violeta se aproximou dele,
colocando uma rosa vermelha em sua mão.
Não parecia mais
brava. Apenas cruel. Ela ria da confusão dele.
- Você me perdeu
pra sempre.
***
Fernando se sentou na cama, trêmulo.
Ele demorou para reconhecer o
próprio quarto. Demorou para assimilar que tudo havia sido apenas um sonho.
Mas então ele viu uma rosa vermelha
caída no tapete, e o pânico tomou conta dele.
A presença dela ainda estava viva no quarto.
Fernando se abaixou para pegar a
flor.
Mas tirou a mão rapidamente,
assustado.
A rosa estava quente.
***
Violeta assistiu à rosa queimar
dentro do caldeirão, junto com ramos de alfazema e alecrim, junto aos pedaços
de papeis com o nome de Fernando e com as frases que ela queria que ele
escutasse.
Já era de madrugada, e ela estava
cansada.
Cavou um buraco no jardim e enterrou
as cinzas do feitiço. Lavou o caldeirão com óleo de violeta sob a luz do luar.
- Que assim seja, e assim se faça. –
Murmurou ela.
Lena havia encontrado o feitiço em
um livro de Ana Rosa, e conseguido parte dos ingredientes, mas se recusara a
participar daquilo.
- Você resolve. – Havia dito ela. –
Essa parte é com você.
E Violeta já estava se sentindo
muito mais leve. Era como se aquele misto de sentimentos conflitantes houvessem
sido enterrados junto com a rosa queimada.
Ela sabia que Ana Rosa jamais aprovaria uma coisa daquelas, mas havia sido necessário.
Não foi só um feitiço, foi um
ritual.
Um ritual para se livrar de Fernando
Bragança para sempre.
Ele não merecia seus pensamentos.
Violeta tomou um banho de cravo
antes de ir se deitar.
E seu último pensamento foi que ela
era uma bruxa poderosa. E agiria como tal a partir de então.
***
Uma semana inteira se passou, e
Violeta não teve problema algum em ignorar Fernando por completo.
Era como se ele fosse apenas uma
sombra do passado, agora. Uma sombra que tinha uma própria sombra, chamada Briana.
Violeta não tinha nenhum motivo para
desejar qualquer proximidade.
Além disso, agora havia o outro cara.
Depois de ter desaparecido da escola
por alguns dias, o misterioso garoto estava de volta.
E agora Violeta o achava bastante
intrigante. Atraente, até.
Ele não a olhava com aquele jeito
solitário e distante de Fernando. Não. Ele era descarado. A encarava com
firmeza, passava perto dela na escola, quase tocando-a.
Às vezes, chegava a sorrir.
E Violeta jogava o jogo dele.
Não era como se existisse timidez ou
medo. Era apenas uma expectativa que deixava as coisas mais interessantes. Excitantes.
Espero não estar
me ferrando de novo,
pensava ela, enquanto ajeitava livros nas prateleiras da livraria.
***
Eu quero viver.
Eu tenho esse direito. Enquanto o monstro estiver adormecido, eu tenho o
direito de ser apenas um cara normal.
Lucas tentava convencer a si mesmo.
A rotina de ir ao colégio, trabalhar
no jardim e andar de skate nas horas vagas ajudava.
No fim, Ana Rosa tinha razão.
Se manter ocupado era importante, e
muito.
Mas o que ocupava os seus
pensamentos na maior parte do tempo, agora, era a garota de cabelos castanhos
que ele paquerava na escola.
Tudo nela era tão único e tão
sedutor, mas de um jeito totalmente natural.
Lucas se sentia um predador,
testando os próprios limites. O quão perto dela ele ousaria chegar? Por quanto
tempo a encararia sem desviar os olhos? E a melhor parte era que ela
correspondia à ideia.
Em um dia ele era o caçador, e no
outro a caça.
Ele queria falar com ela.
Mas abordá-la na escola não parecia
a melhor forma de fazer isso.
Lucas já havia ficado com várias
meninas antes.
Mas nenhuma mexia com ele daquele
jeito.
Nenhuma provocava nele aquela
mistura de curiosidade, admiração e até mesmo tesão. Não de um jeito
pervertido, sei lá, de um jeito mais apaixonado, talvez.
Ele não podia mais esperar.
Precisava saber se havia alguma
chance com ela. Alguma chance de que ela deixasse que ele deslizasse os dedos
pelos fios do cabelo castanho e sedoso.
Alguma chance de beijá-la. Beijá-la muito.
Lucas avisou Ana Rosa de que iria
sair.
Ela olhou-o de cima abaixo, dos
jeans gastos, passando pelas pulseiras de couro, até o cabelo recém-lavado e
despenteado, mas não disse nada.
Foi até o Shopping Jardim Brilhantina,
e lá começou a procurar pela livraria onde a havia visto uma vez.
Com o coração um pouco
descompassado, olhou pela vitrine.
Ela estava lá, tinha acabado de
atender um cliente, uma mulher com seu filho que saia satisfeita com a sacola
da Livraria Wonderland.
Lucas respirou fundo. E de repente
se sentiu mais calmo.
Só teve um pequeno choque ao
perceber que ela o havia visto e o olhava, como se não acreditasse que ele
estivesse ali.
Ele entrou na livraria e parou
diante dela, encarando-a.
- Posso ajudar? – Perguntou ela, colocando
as mãos na cintura. A voz era séria, mas os olhos dela pareciam brincar com
ele.
- Oi – começou ele, aproveitando a
proximidade para ver de perto cada detalhe do rosto dela. – Eu cansei de jogar.
Você se lembra? Da nossa troca de olhares no colégio?
Violete ergueu uma sobrancelha.
- Sim, eu me lembro.
- Bem... – Começou ele, passando a mão
pelo cabelo sempre bagunçado. – Achei que poderia haver algum interesse
porque... Da minha parte, pelo menos, tem.
Silêncio.
Lentamente, ela sorriu.
E Lucas também sorriu por, pelo jeito, ter dito a
coisa certa.
- Eu quero sair com você. – Diz ele.
– Será que eu posso?
- Pode. Meu turno termina às seis. –
Diz ela. – Me encontre no ponto de ônibus aqui em frente. Podemos dar uma
volta.
Lucas assentiu.
- Meu nome é Lucas. Você...?
- Violeta. – Ela deu um sorriso
secreto. – Não se atrase.
Ele apenas se aproximou dela e
sussurrou em seu ouvido, antes de ir embora:
- Você é muito foda, sabia?
O eco daquelas palavras cochichadas
ficaram na cabeça de Violeta pelo resto da tarde.
Ah, graças a
todos os deuses. Ele é EXATAMENTE o oposto do Fernando!
CONTINUA
PELOS DEUSES!! ELE É PERFEITO! <3333
ResponderExcluir<3
ExcluirQuando teremos continuação?? *----*
ExcluirJá postei a continuação <3
ExcluirDesculpe a demora, fiz uma pausa por causa das correrias das festas de final de ano, mas agora volto a postar normalmente :D