“Chovi amor
Em pessoas
Que preferem
Telhados”
(Zack Magiezi)
Violeta entrou no quarto arrastando
os pés, e se sentou em frente a penteadeira. Encarou o próprio reflexo e não
gostou do que viu quando tirou o colar de quartzo rosa do pescoço.
Ela parecia cansada. Mais velha, até.
Seus olhos estavam pesados.
São esses os sintomas
de um coração partido?
Ela sabia que estava exagerando, que
Lucas estava apenas se sentindo mal, por isso fora tão frio.
Não quero nada sério no
momento, as palavras
dele.
Violeta franziu os lábios, com
desaprovação.
- Ora, aquele garoto tem sérios
problemas. A culpa não é minha se ele não sabe o que quer.
Batidas na porta a fizeram se virar.
Era Ana Rosa.
- Precisamos conversar, garota.
Violeta suspirou.
- Precisamos mesmo?
- É claro. Ou quer que eu te coloque
de castigo, como uma criança? Afinal, você andou brincando com feitiços, não é?
- Eu me responsabilizo pelos meus
atos. – Cospe Violeta, sentindo o coração disparar. – Eu sei o que estou
fazendo.
- Você pensa que sabe. – Diz Ana
Rosa, ríspida. – É esse o problema. Continue ameaçando as pessoas com bruxaria
baixa, continue aparecendo nos sonhos dos garotos e continue fazendo feitiços
de beleza desnecessários, quebrando espelhos e aterrorizando suas colegas.
Continue, e todas nós vamos pagar o preço.
- Preço? – Violeta mal continha a
raiva. – Que preço? Você quer que eu aprenda magia e não use?
- Não com propósitos egoístas.
- Eu não sou egoísta! Eu só estou
vivendo a minha vida. Algumas garotas tem dinheiro, outras são lindas, e eu sou
uma bruxa. É tudo o que eu sou e tudo o que eu tenho.
Ana Rosa franziu o cenho.
- Você é mais do que uma bruxa,
Violeta. Você é uma garota, quase uma mulher. Você é uma representação da Deusa
e da lua em carne e osso. Lembre-se disso.
Violeta se sentou na cama, encarando
os próprios pés.
- Eu não vou parar.
- Tudo bem. – Diz Ana Rosa,
secamente. – Mas lembre-se que isso não se trata apenas de você e eu. Lembre-se
de Lena. Quando você se expõe para as pessoas, está expondo a ela também.
Violeta se encolhe, depois volta a
encarar Ana Rosa.
- Por que faz questão de me dizer
essas coisas? E por que Lucas mora aqui? E o que há de errado com ele? Ele está
tão estranho....
- Aquele guri é sempre estranho. – Desconversa
Ana Rosa. – Prometi não me meter entre vocês dois. Apenas deixe-o descansar.
- Mas se ele me magoar, você vai
expulsá-lo? – Desafia Violeta.
- Claro. – Ana Rosa lhe dá as costas,
saindo do quarto. – Nós bruxas cuidamos uma das outras, não é?
***
Fernando desceu para a cozinha.
Já era noite, e ele precisava comer
alguma coisa.
Havia tido febre durante a tarde, mas
um banho e alguns comprimidos o fizeram se sentir melhor.
Olhou em volta, para a casa fria e
vazia.
Ele se perguntava se era normal uma
pessoa se sentir tão sufocada na própria casa. Era como se as paredes desprovidas
de vida se revezassem em vigiá-lo.
Fernando suspirou, colocando as
sobras de comida do dia anterior em um prato e esquentando no microondas.
Ele gostaria de ter irmãos.
Mas sabia que isso era impossível.
Edgar Bragança jamais se casaria de
novo. Fernando sabia que o pai sentia a perda da mãe dele todos os dias, como
se ela houvesse morrido no dia anterior e não há mais de doze anos.
As fotos dela ficavam bem guardadas
em uma gaveta, e Fernando sabia que o pai ainda chorava se via alguma delas.
Ele não duvidava de que o pai a havia
amado muito, mas às vezes sentia raiva. Afinal, ele sentia a falta dela também.
E o pai, preso àquele luto eterno,
parecia se esquecer que ele existia.
Às vezes Fernando imaginava se o pai
não preferiria que ele nunca houvesse nascido. Afinal, ele era uma lembrança
viva da mãe que o pai tinha que encarar todos os dias.
Era por isso que Edgar passava tanto
tempo fora?
Era por isso que o deixava tão
sozinho?
Fernando foi até o escritório e abriu
uma gaveta da escrivaninha.
Olhou para a foto da mãe e imaginou
como tudo seria diferente se ela ainda estivesse ali.
Ela tinha os olhos verdes iguais aos
dele, e o cabelo castanho e longo... Parecido com o de Violeta.
A angústia o afogava.
Por que tudo o fazia se lembrar de
Violeta?
Guardou a foto, relutante.
Ele precisava continuar seguindo as
pistas do mistério dela. Mesmo que o enlouquecesse. Que acabasse mesmo se apaixonando
por ela.
***
Na manhã seguinte, Lucas acordou sentindo cada osso do corpo doer.
Olhou em volta.
Estava no meio da floresta, cercado
por árvores e mato, caído no chão de mal jeito, completamente nu.
Sentiu gosto de sangue, e percebeu
que havia um corte no lábio inferior.
Suas mãos estavam cheias de sangue
seco, e o zunido das moscas chamou sua atenção para o cadáver de uma capivara
ali perto.
Bom, pelo menos o plano de Ana Rosa
havia funcionado de novo.
Eu te domei, monstro...
Um pouco zonzo, começou a procurar a
mochila que havia deixado dentro do tronco oco de uma árvore.
Vestiu as roupas limpas, calçou os
chinelos e lavou os rostos e as mãos o melhor que pode com a água mineral da
garrafa.
Andou se arrastando até a estrada.
Logo a caminhonete barulhenta de Ana
Rosa virou a esquina.
- Tudo certo, rapaz? - Indagou a
mulher, observando-o entrar no carro.
- Sim. - Disse ele, tentando
demonstrar um pouco de ânimo. - Tudo okay.
- Que bom. - Responde ela, já dando
partida no carro. - Café preto?
- Quero - aceita Lucas, pegando a
embalagem quente do Point Coffee. - Qualquer coisa que tire esse gosto nojento
da minha boca serve.
Os dois prosseguiram a viagem em
silêncio.
Quando dobraram o quarteirão da
Pensão, Lucas suspirou e falou:
- Ana Rosa... Pode me fazer um favor?
Preciso arrumar isso o mais rápido possível.
***
- E o Lucas? - Perguntou Lena,
enquanto Violeta penteava o cabelo. – Vai ficar por isso mesmo?
- Lucas - diz Violeta, franzindo o
lábio. – Ontem ele deve ter saído, as luzes do quarto estavam apagadas. E Ana
Rosa saiu sem deixar jantar pra ele, então ela sabia.
Lena franze o cenho.
- Será que ele não foi com ela?
- Não. - Responde Violeta. - Ela
voltou sozinha. Não vi que horas ele chegou.
- Que estranho. – Comenta Lena,
desviando o olhar.
Violeta desceu para a cozinha.
Ana Rosa estava lendo o jornal, o que
era suspeito, já que ela nunca fazia isso.
- Violeta - chamou ela, sem desgrudar
os olhos do papel. - Diga para o Lucas vir tomar café.
Violeta achou aquilo estranho também.
- Por que eu? – Indagou.
- Porque eu estou mandando. Não
comece a ser infantil.
Violeta revirou os olhos, saindo pela
porta aberta da cozinha.
Atravessou o jardim nebuloso e frio pelo
sereno matinal.
Bateu na porta do quarto, sem
gentileza.
***
Lucas suspirou.
Estava quase perdendo a coragem, mas
não podia fraquejar agora.
Quanto antes fizesse aquilo, melhor.
Abriu a porta.
Violeta o encarou, a expressão de
desdém sendo substituída pelo choque.
Ela mal disfarçou a surpresa.
Ele estava vestindo um moletom velho,
tinha o cabelo molhado depois do banho frio, olheiras e o lábio visivelmente
inchado.
- Oi. - Disse ele, engolindo em seco,
tragando um cigarro.
- Ana Rosa me pediu pra te chamar para
o café. - Disse ela, cruzando os braços. - Não vai pra escola hoje?
- Ah, não. - Disse ele, sem
encará-la. - Rolou uma festa ontem. Estou de porre.
Violeta apenas ergueu uma
sobrancelha.
Isso explicava aquela boca inchada.
- Desculpe não ter te chamado -
continuou ele.
- Eu não iria querer ir. – Revida ela,
sem tentar esconder o desprezo. – Boa ressaca.
Ela se virou, mas Lucas a segurou
pelo braço antes que pudesse se conter.
- Espera. Está zangada comigo?
- Não. – Diz Violeta, dando de
ombros. - Foi legal conhecer você, Lucas. E nos divertimos juntos. Sem mágoas.
Lucas balançou a cabeça.
- Não precisa acabar assim.
Violeta olhou pra ele, e sentiu que
poderia chorar. Ele ainda se parecia demais com aquele garoto doce que a havia
enchido de promessas e esperanças.
- Precisa, sim. – Disse, afastando o
braço, devagar. – Acho que não queremos as mesmas coisas. É melhor não insistir,
ou podemos acabar nos magoando.
Lucas a soltou, encarando-a.
- Você está sendo covarde. – Desafiou
ele, soprando uma nuvem de fumaça sobre ela.
Violeta cerrou os punhos.
- Não fui eu quem mudou de um dia
para o outro. – Disse, furiosa, lhe dando as costas.
Deu alguns passos, parou e voltou a
encará-lo.
- E enfia esse cigarro nojento no seu
rabo.
Violeta voltou para casa, deixando-o
sozinho, plantado na porta, com uma vontade imensa de correr atrás dela.
***
Fernando chegou à escola e atravessou o pátio.
Subiu as escadas quase correndo. Havia
se atrasado, graças à falta de sono na noite anterior. Mas um som o deteve.
O som de uma pessoa chorando.
- Eu estou me sentindo uma droga. –
Fungou Violeta. – Eu gostava dele. Ele era tão legal, tão doce... Eu sei que
acabou, mas me sinto uma idiota. Queria ter o poder de esquecer tudo.
- Esse poder se chama tempo. – Diz Lena,
paciente. – É normal ter vontade de chorar. Ele foi o seu primeiro amor. Todo
mundo passa por isso.
- Não foi amor. – Diz Violeta,
secando as lágrimas. – Eu nunca o amei, porque nem o conheci direito.
As duas estavam sentadas entre os armários
e a escada, parcialmente escondidas da vigília dos inspetores.
- O Gibão não vai mais nos deixar
entrar na sala. Vamos descer para o banheiro antes que a inspetora apareça, e
você pode lavar o rosto e se acalmar.
Violeta concordou com a cabeça.
Na escada, Fernando congelou.
Se elas o vissem ali, saberiam que
ele estivera escutando...
- Espera Lena, tem mais uma coisa. – Diz
Violeta, de repente. – Eu quero te pedir desculpas.
Lena ergue uma sobrancelha.
- Desculpas? Pra mim?
- É. Bem... As coisas que eu andei
fazendo... Percebi que não expõe só a mim. E você prefere ser discreta. Então
vou tentar ser mais discreta também.
Lena sorri.
- Nada de ameaçar as pessoas com
macumba brava? Quem é você e o que fez com a Violeta?
Violeta ri, pegando a bolsa.
- E quanto ao Fernando? – Indaga Lena.
Ele se retraiu ao ouvir o próprio nome. – O que vai fazer se ele continuar te
olhando como se nunca tivesse visto uma menina?
- Nada. – Diz Violeta, franzindo o
cenho. – Apenas espero que ele e Briana me deixem em paz. O que eu estava
pensando? Que ele me olhava daquele jeito porque tinha algum interesse por mim?
Foi tudo uma ilusão pura, um tipo de amor platônico imbecil. Eu já deixei isso
pra trás. Não pretendo mais sonhar com ele, dormindo ou acordada. E nem
acreditar que um dia vai haver alguma coisa entre nós. Eu criei tudo na minha
cabeça, e acho que cheguei perto de me apaixonar. Mas eu estava nessa sozinha.
Fernando sentiu as mãos começarem a
suar.
Era agora eu nunca.
O coração dele batia tão rápido que
martelava nos ouvidos.
Subiu os últimos degraus da escada,
de uma vez só, como um vampiro se levantando do caixão.
Lena se assustou.
Violeta quase caiu pra trás.
- Você não está sozinha. - Fernando
falou em tom baixo e controlado, com medo da sua voz não sair. – Então... Eu e
você, isso é real?
CONTINUA
Ohhh, O.O Giovanna não me faça odiar o Lucas! Eu lembro que na primeira vez que li eu fiquei confusa entre os dois, pronto, está acontecendo de novo. Não quero gostar do Fernando :'( pronto, estou confusa. Faz o Fernando fazer uma coisa bem horrorosa? Hahahahha.
ResponderExcluirSorry, te deixar confusa é o objetivo ;)
ResponderExcluirkkkkkkkkk