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16. Época de Colheita


“É assim o destino... Doce e cruel.”
(Dulce María)

Ana Rosa bateu na porta com firmeza.
Lucas bocejou, se arrastando até ela para abri-la.
- O que...?
Ana Rosa não o deixou falar. Apenas torceu a orelha de Lucas tão forte que ele deixou escapar um grito.
- Perdeu completamente o juízo, guri? Quem você pensa que é para ameaçar a minha sobrinha? Garoto imbecil! Imbecil!
As palavras dela eram ásperas, mas Lucas teve a impressão de que ela estava menos furiosa do que aparentava, e esfregou as orelhas, irritado, quando ela o soltou.
- Violeta quer que eu te mande embora, e não a culpo. Aquilo é jeito de tratar uma moça que não te fez nada?
- Violeta – cospe Lucas – me fez mais mal do que qualquer outra pessoa no mundo. Ela me esqueceu sem pensar duas vezes.
- Sei! Está culpando a minha sobrinha por estar vivendo a vida dela depois que você a deixou. Muito maduro da sua parte!
Lucas suspirou, baixando os olhos.
- Eu estou envergonhado pelo o que eu fiz. Muito envergonhado. É que o monstro me deixa tão... Frustrado. E quando eu a vi com aquele garoto, o meu coração desmoronou. E eu acabei descontando tudo nela.
- Você agiu como um desses machinhos abusivos que tratam as mulheres como se fossem propriedade deles. Não é bonito, nem romântico. É controlador e doentio!
Lucas engoliu em seco.
- Eu me sinto doente. É como se a única coisa boa que restasse em mim fosse o que eu sinto pela Violeta, e agora... Até isso eu estou perdendo.
- Foi você quem escolheu fazer as coisas assim, guri! – Suspira Ana Rosa. – Deveria ter contado a verdade a ela.
- Para que ela sinta nojo, medo ou pena de mim? – Indaga Lucas, lembrando-se da maneira como Violeta o havia olhado. – Não, obrigada. Eu só vou contar a verdade quando acabar.
Ana Rosa cruza os braços.
- A escolha é sua. Mas eu exijo que você faça uma coisa, se quiser permanecer sob o meu teto. Vai se desculpar com Violeta, e não vai mais incomodá-la, entendeu?
Lucas assentiu, sentindo-se derrotado. 

***

Violeta e Lena estavam sentadas sob uma sombra no jardim, passando uma mistura rosada e gelatinosa na pele. Era a receita caseira de pomada de flores de Ana Rosa.
Lucas se aproximou, arrastando os pés pela grama. Os olhos de Violeta se estreitaram.
- Vou entrar. – Disse para Lena, recolhendo uma pilha de revistas.
- Espere. – A voz de Lucas saiu em um sussurro. – Violeta, eu preciso falar com você.
- Não temos nada para conversar. – Cuspiu ela.
- Sei que você deve me odiar agora, e tem razão. Eu agi como um completo idiota. Apenas queria me desculpar. Não sei o que dizer. Eu estava com raiva e descontei em você. Me desculpe. Não vai acontecer de novo.
Violeta o olhou, coçando a gosma cor-de-rosa no braço.
- Tudo bem. – Suspirou. – Está desculpado.
Lucas sentiu um pequeno alívio no peito.
- Eu espero que a gente possa ser amigos de novo.
- Não. – Disse ela, irredutível. – Nós não podemos ser amigos, Lucas. Não mais.
Ele se contentou em ir embora, e Lena soltou um assovio, franzindo a testa, enquanto Violeta o observava ir.
- Você pega pesado quando quer.

***

A notícia de que Violeta e Fernando estavam juntos se espalhou como fogo em palha por todo o colégio.
Não que muitas pessoas houvessem sequer reparado na presença de Violeta até então, mas Fernando era bastante popular, e agora passava o tempo todo com ela.
Todos viam quando eles saiam juntos, de mão dadas e caminhavam até o shopping ou o Point Coffee. Ou as horas que passavam conversando, sentado debaixo da escada, como se estivessem em um mundo só deles.
Violeta às vezes duvidava de que aquilo era real.
E ela, aos poucos foi descobrindo os segredos da personalidade aparentemente frívola e retraída dele.
Fernando havia perdido a mãe quando era pequeno, e era sempre deixado de lado pelo pai.
Havia crescido sem irmãos ou primos para brincar, em uma casa grande e vazia, tendo só a companhia dos seus amigos da igreja, e, mais tarde, colegas de banda.
Violeta se sentiu ainda mais inclinada a gostar dele sabendo o motivo dele parecer tão arrogante ou distante.
Contudo, havia mais alguma coisa. Ela sentia.
Talvez fosse sua intuição falando.
Fernando tinha um segredo.
E só podia ser algo que o machucava. Que o mantinha calado.
E quem não tem?, pensava Violeta. Quando ele quiser, vai me dizer.
E nessas horas, apenas segurava a mão dele, tentando trocar algum calor.
Quem, como se poderia imaginar, não estava nada feliz era Lucas.
A vergonha da maneira brutal como se portara com Violeta da última vez o impedia de tentar falar com ela de novo.
Agora, quando se esbarravam, passavam um pelo outro como completos estranhos.
O tal Fernando agora era tudo pra ela, e Lucas tinha que dia após dia conviver com aquele gosto amargo de derrota.
Ele estava definhando.
- O que passa, guri? – Perguntou Ana Rosa, certa vez, limpando o suor da testa após uma longa tarde de trabalho no jardim. – Está puro osso. Samuel vai achar que eu não estou te dando comida.
O garoto balançou a cabeça, tirando o cabelo escuro, que havia crescido quase um palmo nos últimos meses, da frente dos olhos.
- Eu me sinto uma droga, Ana Rosa. Eu não estou aguentando mais...
- Só faltam três meses, guri. Quatro já passaram. Você está quase lá.
Lucas bufou.
- Não são só as transformações. Meu coração está partido. Cada vez que eu vejo Violeta é como uma facada no peito.
Ana Rosa tirou as luvas sujas de terra.
- Ora. Vai ter que conviver com isso.
Lucas olhou para o sol poente, como se estivesse condenado.
- Ela sempre foi louca por esse tal Fernando. Eu fui só uma distração pra ela.
Ana Rosa deu um pigarro.
- As coisas não são bem assim. Será tudo mais complicado para Violeta do que você imagina.
Lucas a encarou.
- O que está dizendo?
- Estou dizendo que talvez esse Fernando não seja a melhor coisa pra ela, nem de longe.
O coração de Lucas chegou a doer.
- Acha que eu ainda tenho alguma chance com ela?
- Eu não acho nada. As coisas que eu andei descobrindo fazem parte de um plano muito superior, mas que nem sempre fazem sentido para esses meus velhos olhos.
Lucas tentou arrancar mais alguma coisa de Ana Rosa, mas a mulher apenas resmungava coisas inteligíveis.
- O que eu faço? – perguntou ele, em fim.
- Não perca a esperança, guri. Apenas isso.
Ele suspirou, segurando com força um punhado de grama entre os dedos.
- Vamos. – Ana Rosa quebrou o silêncio. – Venha me ajudar. Temos muitas rosas para colher hoje. É a época da colheita.
- Ana Rosa? Pode me fazer um favor primeiro?

***

Violeta não iria trabalhar naquela tarde, então ela e Fernando se encontraram na saída da escola.
Ele a viu se aproximar, atravessando a rua enquanto o vento embaralhava o cabelo dela, e sentiu um estranho torpor.
Ela estava com ele.
Ele e Violeta estavam juntos. Ele a havia beijado. Muitas vezes. E poderia beijá-la agora mesmo, mas se conteve.
Havia sempre muitos olhares curiosos por perto.
Briana mesmo estava ali, com cara de velório, a pouca distância.
Fernando preferiu pegar a mão de Violeta e sorrir para ela enquanto começavam a subir a rua.
Tanto tempo de prática os havia ensinado a se comunicar sem palavras.
Briana ascendeu um cigarro, soprando a fumaça cinzenta no rosto de Edna, que tossiu.
- Olhe só pra eles. – Disse, observando os dois subindo a rua da escola. – Parece até que são os donos do mundo.
Edna franziu a testa.
- Esquece aqueles dois, querida. Se o Fernando prefere aquela garota estúpida a você, é porque os dois se merecem.
Briana balançou a cabeça loira.
- Não, Edna. O Fernando vacilou comigo. Mas foi ela quem fez isso acontecer. Eu tenho certeza. Ela deve ter feito de tudo pra nos separar. E estou falando de coisas realmente bizarras.
- O que você está querendo dizer?
Briana a encara, em tom confidencial.
- Eu consultei uma vidente. E ela me disse que sim, a culpa é da Violeta. Ela fez algum tipo de magia estranha para o Fernando gostar dela.
Edna arregalou os olhos.
- Sério mesmo, amiga?
- Sério. E a única forma de eu desfazer isso é descobrir o que exatamente ela fez. E então vou levar fios do cabelo dela e pedaços de unha para que a minha vidente possa se livrar dela de uma vez.
- E como você vai conseguir as unhas dela? – Indaga Edna, perplexa.
- Eu não sei. Mas vou pensar em alguma coisa.
Briana começou a brincar com uma mecha de cabelo, pensativa, quando um garoto se aproximou.
- Hey. Pode me dar um cigarro?
Briana o olhou dos pés a cabeça. O menino tinha um ar relaxado, mas não chegava a ser repulsivo. Algum Bad Boy pobretão com roupas baratas e cabelo penteado com gel. Ela se lembrava dele de algum lugar...
- Claro. – Respondeu, tirando o maço da bolsa cara e oferecendo um a ele. Em seguida, ascendeu o cigarro com um isqueiro.
- Valeu. – Agradeceu ele, colocando as mãos no bolso e subindo a rua na mesma direção em que Fernando e Violeta haviam ido há pouco.
- Quem é ele? – Perguntou Edna, intrigada. – Aluno novo?
- Não. – Briana abriu um sorriso lento. – Eu acabei de ter uma ideia.
Apagando o cigarro na sola do sapato, ela colou no rosto os óculos de sol Gucci que estavam na cabeça, e saiu andando sem pressa atrás de Lucas.

***

Violeta despejou um pacote de granola sobre a tigela de açaí, e Fernando reparou no quanto as mãos dela eram ágeis e longas, como as de uma pianista.
- Se continuar me olhando assim – comenta Violeta, remexendo na fruta com uma colher. – Vou começar a me sentir constrangida.
Fernando deu um meio sorriso.
- Desculpe. Eu acho que ainda não me acostumei com você e eu sendo nós.
Violeta levantou os olhos para ele, e sorriu também.
- Você é mesmo inacreditável.
Ele baixou os olhos verdes que ela adorava.
- Eu gosto muito mais do cara que eu sou quando estou com você.
Violeta ficou séria, olhando pra ele.
Fernando beijou a mão dela e a segurou sobre a mesa. A sensação dela era de segurança total. Nunca havia se sentido tão próxima de alguém como naquele momento, e eles apenas estavam de mãos dadas num café.
Ele estava corado, e o coração dela se aqueceu tanto quanto o rosto dele. Era um romantismo chulo, mas era real.
- Fernando?
Ele levantou o rosto. Era Kenji.
O garoto tirou o boné, deixando o cabelo liso e escuro apontar para cinco direções diferentes, e sorriu.
- Passei no seu colégio mas você já tinha saído. Achei que poderia encontrar você aqui.
Fernando soltou a mão de Violeta, tentando se controlar para não ficar vermelho, mas já sentindo o rosto esquentar.
- Kenji, essa é a Violeta. Violeta, esse é o Kenji, meu irmão.
- Somos gêmeos. – Zombou Kenji, apertando a mão de Violeta. – Mas ele ficou com os olhos verdes e eu com os traços orientais.
- Me parece um bom negócio. – Sorri ela, que já tinha ouvido falar de Kenji muitas vezes, e se lembrava do baterista da banda. – Senta com a gente, Kenji. Quer açaí?
- Não, obrigado. – Agradece ele. – Não quero atrapalhar.
Fernando suspirou, aliviado.
Mas Violeta se levantou.
- Não vai atrapalhar nada. Eu vou dar uma olhada no brechó aqui em cima, vocês podem conversar.
Ela apertou o ombro de Fernando de leve antes de sair, e ele lhe deu uma piscadela.
Kenji se sentou diante do amigo, erguendo a sobrancelha e segurando o riso.
- E então?
Fernando deu um gole no refrigerante.
- O que?
- Não vai me contar o que está acontecendo?
Fernando baixou os olhos, sentindo o rosto esquentar de novo.
- Nós estamos saindo.
Kenji ri.
- Então ela não é uma bruxa que te persegue e está tentando foder com a sua vida?
- Acho que não. – Diz Fernando, com franqueza. – Mas não me importo. Nunca conheci uma pessoa tão incrível quanto ela. Eu acho que é pra valer.
- Uau. – Kenji balança a cabeça, em aprovação. – Ela parece ser legal. Leve-a lá em casa, qualquer dia, se ela curtir vídeo games de zumbis ou animes.
Fernando dá um meio sorriso, começando a se sentir mais relaxado.
- O que aconteceu com a regra “nada de garotas na noite dos vídeo games”?
- Essa regra mudou desde que você parou de sair com aquela loira metida. E – Kenji baixou os olhos puxados, como se estivesse distraído com o apoio de copo da mesa. – Eu comecei a ficar com a Giulia.
Fernando riu, pensando no rosto sardento e sempre animado da baixista da banda.
- Finalmente. Jonathan já sabe?
Kenji revira os olhos.
- Não, e não se atreva a contar nada a ele. Poderia ser o fim para um ego tão delicado, e não vamos querer que ele dê um ataque agora que vamos ter o maior show da Fallen Angels.
- Que show?
Kenji sorri, rodopiando o boné.
- É por isso que eu estava te procurando. Vamos nos apresentar na igreja matriz, na festa de aniversário do Jardim Brilhantina. Adivinha o tema desse ano?
- Não faço ideia.
- Bruxas – sorri Kenji. – Será uma festa de Halloween.

***

Violeta calçou as botas pretas com sola desgastada e deu alguns passos. Estavam apertadas, concluiu, franzindo o nariz.
Se sentou em uma cadeira e começou a desamarrar os cadarços.
E então a porta do Point Vintage se abriu, e uma sombra bloqueou o sol por alguns segundos.
Violeta se virou e quase se engasgou com o ar.
Dando uma última tragada em um cigarro e usando as roupas surradas de sempre, estava Lucas.
Lucas, com o cabelo recém-cortado e arrumado de um jeito que ele nunca havia usado antes. Por um momento, Violeta chegou a pensar que ele estava tentando se parecer com Fernando, mas logo descartou a ideia.
Os dois eram tão opostos quanto luz e sombra.
Percebendo o olhar embasbacado dela, Lucas se aproximou.
- Gostou? – Passou a mão no cabelo. – Foi a Ana Rosa quem cortou pra mim.
Era a primeira vez que Lucas dirigia a palavra a ela em muito tempo, e havia sido Violeta quem havia cortado relações com ele definitivamente.
Mas o rosto dela agora estava vermelho.
- Ficou legal. – Assentiu.
Ele deu uma piscadela e foi se dirigiu às araras de roupas masculinas.
Violeta não se conteve e foi atrás dele.
- O que está fazendo aqui?
- Dando uma olhada nas roupas.
- Eu não acredito em você. – Confronta ela. – Acho que está me espionando.
Lucas suspirou, e ela sentiu um frio estranho no estômago ao encará-lo.
Violeta havia notado a grande diferença, claro. Antes, o cabelo crescido escondia o rosto de Lucas. Agora, era possível ver que ele tinha lindos olhos – mesmo não sendo olhos grandes e verdes como os de Fernando.
- Agora que perdi tudo para você, você diz que quer começar algo novo e isso está partindo meu coração, você está partindo. – Diz ele, olhando-a nos olhos. - E eu estou lamentando. Mas se você que ir, tome cuidado. Espero que tenha muitas coisas bonitas para vestir.
Dizendo isso, ele ergueu uma camiseta preta surrada, estampada com o refrão da música de Cat Stevens “Oh, baby, baby it’s a wild world”.
Violeta segurou a camiseta, confusa.
E então percebeu.
- Pare de citar a letra de Wild World pra mim, fui eu quem te mostrou essa música. E quero que pare de me seguir, estou avisando!
- Mas muitas coisas bonitas tornam-se ruins lá fora... – Completou ele.
Violeta revirou os olhos, largando a camiseta e saindo do brechó com passos duros.
Lucas suspirou, segurando a camiseta com pesar.
Escutou o som dos cabides sendo empurrados quando alguém abriu caminho entre os casacos de inverno com cheiro de naftalina.
Era uma garota loira de olhos claros, que ele se lembrava de já ter visto no colégio.
- Oi. – Sorriu ela, estendendo a mão. – Briana Brigantia.
Lucas a olhou, desconfiado, ainda agarrado à camiseta.
- Sou Lucas. – Disse, por fim, apertando a palma estendida dela.
Briana tirou o álcool em gel da bolsa e começou a espalhar pelas mãos logo em seguida.
- Tenho manicure daqui uma hora, então serei breve. Percebi que você anda na sombra do casal feliz. Qual o seu interesse neles?
Lucas a olhou, cada vez mais desconfiado.
- Não sei do que você está falando.
- Tempo, querido, tempo.  – Briana apontou para o relógio dourado que trazia no pulso. – Eu sei que antes de começar a se engraçar com o Fernando, a Violetinha e você tinham um rolo.
Lucas deu de ombros, desviando os olhos.
- E daí?
- Como “e daí”? – Briana o olhou como se estivesse falando com alguém que tinha sérios problemas mentais. – Eu quero o Fernando de volta. Você, pelo jeito, quer a Violeta de volta também. Vamos dar um jeito de fazer com que tudo volte a ser como era antes.
Lucas ergueu uma sobrancelha.
- Você está querendo jogar sujo?
Briana deu uma leve tossida.
- Querido... Eles jogaram sujo com a gente primeiro. Eu tenho certeza de que o Fernando e a Violeta já tinham alguma coisa na época em que ainda estavam com a gente. Estamos no mesmo barco, Luan.
- É Lucas.
- Certo. – Briana se inclinou para frente. – Nós dois fomos passados para trás. Dói, não dói? Mas eu não quero vingança. Eu amo o Fernando e sinto no fundo do meu coração que ele está cometendo um erro em me deixar. Eu só quero arrumar essa bagunça. Se você sente o mesmo pela Violeta, me ajude.
Lucas a olhou, perturbado, mas ainda não totalmente convencido pelo discurso.
- O que você está planejando?
- Deixe os detalhes comigo. Você só precisa me dar algumas informações. Você sabe onde Violeta mora? Você mora perto dela?
- Moramos na mesma casa.
Briana engasga.
- Você também mora na Pensão Arabella? Isso é perfeito!
Briana deu uma piscadela, tirando um cigarro do maço e oferecendo outro a Lucas, que não se moveu.
Ele queria Violeta de volta mais do que tudo no mundo, meu Deus, mas seria aquele o jeito certo de conseguir? E aquela garota... Violeta a odiava. Ele poderia mesmo confiar nela?
Lucas balançou a cabeça, colocando a camiseta e algumas moedas no balcão do caixa do brechó.
- Não. – Foi a resposta dele. – Estou fora.
Briana bufou,  colocando o óculos de sol gigante no rosto novamente.
- Tudo bem. Parabéns por ser um otário.
Ela empurrou Lucas para sair do brechó, irritada.
Teria que partir para o plano B.

***

Violeta olhou para a casa grande e silenciosa, cercada por um gramado já um pouco alto, e que mesmo com as paredes brancas parecia sombria.
- Uau. – Ela disse, enquanto Fernando fechava o portão atrás deles. – Você tinha razão. Dá medo.
- Meu castelo é o seu castelo – disse ele, fazendo uma reverência sarcástica.
Guiou Violeta até a sala e se jogou no sofá.
A garota ficou olhando em volta, pisando com cautela naquele tapete exageradamente macio e fofo e vendo as fotos de Fernando criança penduradas em molduras sérias e quadradas na parede.
Fernando pegou a guitarra que estava encostada no braço do sofá e começou a arrancar algumas notas dela. Violeta ficou admirando em silêncio.
Ele apontou para o espaço vazio no sofá ao lado dele.
- Senta aí.
Mas Violeta continuou imóvel.
Limpou a garganta antes de falar.
- Onde está o seu pai?
- No trabalho.
- Ele não se importa de, bem, ficarmos aqui sozinho?
Fernando deu um sorriso frio.
- Não. Ele não se importa.
Ele colocou a guitarra de lado e Violeta se sentou perto dele. Fernando se aproximou, percebendo que ela estava inquieta.
- Não se preocupe. – Sussurrou ele. – Podemos só assistir TV. Não precisamos fazer nada.
Violeta ergueu os olhos para ele, sentindo o rosto corar.
- Eu sei, mas... Se quiséssemos, poderíamos fazer, não é?
Fernando a olhou, confuso, mas não disse nada, porque Violeta se inclinou e o beijou.
Ele a abraçou pela cintura, beijando-a no rosto e descendo pelo pescoço. Ela era tão excitante...
Fernando pegou um dos controles em cima da mesinha de centro e ligou o rádio. A música encheu a sala.
Ela tirou a jaqueta e Fernando continuou beijando-a, mais e mais. Violeta começou a puxar a camiseta dele, e Fernando deixou, se aventurando com as mãos por baixo da blusa dela.
- Espere um segundo. – Pediu ele. – Só um segundo.
Violeta assentiu, arfante.
Ele correu até o quarto, revirando as gavetas da cômoda. Aonde estava?
Fernando não havia planejado nada daquilo, mas se sentiu agradecido por ter alguns preservativos guardados desde a época em que o pai havia tido uma conversa “de homem para homem” com ele.
Verificou a data de validade e voltou para a sala.
Violeta estava deitada no sofá, já sem as botas e com os botões da blusa abertos, deixando a vista um sutiã lilás rendado. Ela parecia um pouco nervosa, mas sorriu pra ele.
- Você é tão linda... – Sussurrou Fernando, deslizando as mãos pelas pernas dela.
Ele tiraria as meias dela, e depois a beijaria, e passaria as mãos pelo cabelo dela e por todo o resto, como sempre havia fantasiado.
Violeta o beijava, ansiosa.
Mas então algo começou a incomodá-la. Primeiro achou que era só o nervosismo pelo momento, mas então percebeu que era outra coisa.
Era a música que estava tocando.

“Oh, baby, baby, it's a wild world
It's hard to get by just upon a smile
Oh, baby, baby, it's a wild world
I'll always remember you like a child, girl”

(Oh baby, baby, é um mundo selvagem 
É difícil atravessar apenas com um sorriso. 
Oh baby, baby, é um mundo selvagem 
Eu sempre me lembrarei de você como uma criança, garota.)

Aquilo simplesmente não era certo.
Ela não poderia ficar com Fernando ouvindo aquela música que meses antes ela escutava enquanto beijava Lucas, no jardim, a noite, escondidos pelo escuro da vigília de Ana Rosa
Eu te amo. Ela se lembrava das palavras de Lucas naquela noite detestável, e sentiu que não poderia continuar. Odiou Lucas por estar estragando aquilo, mesmo sem estar ali.
Ela interrompeu o beijo.
- Fernando... Eu não sei, se...
Ele respirava com dificuldade.
- Está tudo bem?
- Está. – Ela baixou os olhos. – Mas é que eu não tenho certeza se é o momento...
Ele fez sinal negativo com a cabeça e segurou o rosto dela entre as mãos, vendo o próprio reflexos nos olhos enormes e castanhos dela.
- Violeta, estou apaixonado por você.
- Fernando...
- Eu nem sei quando isso começou, mas eu estou. – Ele a encarou. – Muita coisa já passou pela minha cabeça, mas essa é a única certeza. Eu estou louco?
Violeta suspirou.
- Um pouco. – Ela sussurrou,  colocando a mão dele sobre o coração dela. – Mas sinta. Você não é o único.
Fernando voltou a beijá-la.
- Não precisamos ter pressa.
Ficaram deitados no sofá por um longo tempo, em silêncio, abraçados.
Tem uma bruxa na minha casa, no meu sofá, nos meus braços. Pensou Fernando. E eu estou perdidamente apaixonado por ela.

CONTINUA

Comentários

  1. Vou reler tudo de novo para me distrair!
    Ta ficando cada vez mais interressante Giovanna...beijos!

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  2. Já me decidi, sou do Team Briana, fim. Ou do Team Ana Rosa, sério, Violeta da muuuuito trabalho. Hahah

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